Neblina Mental Bipolar

Conhece a Neblina Mental Bipolar?

Neblina Mental


1. O Que É Essa Tal de Neblina Mental?

Um silêncio barulhento dentro da cabeça

Tem dias que acordo e sinto que meu cérebro não liga direito. Não estou triste ao ponto de não sair da cama, nem agitado como nos momentos de hipomania. Mas também não estou bem. É como se uma névoa tivesse entrado na minha mente durante a noite. Isso é o que chamam de neblina mental bipolar.

É difícil explicar pra quem não sente. Não é só “esquecer as chaves”. É quando você perde o fio da conversa, esquece o nome de coisas simples, leva cinco minutos para entender uma frase curta ou simplesmente não consegue tomar uma decisão — mesmo que seja escolher o que comer no almoço.

Pra mim, é como se o computador do meu cérebro estivesse com o processador sobrecarregado. Tudo trava. E isso acontece mais quando estou entre episódios, nem depressivo nem hipomaníaco — exatamente quando eu deveria me sentir "normal".

Não é preguiça, é sintoma

Muita gente, inclusive médicos antigos, já me disse: “Você só precisa se esforçar mais.” Mas não é esforço que falta. É clareza. Estudos mostram que pessoas com transtorno bipolar têm alterações reais nas funções cognitivas, especialmente memória de curto prazo, atenção e velocidade de pensamento [1]. Isso não é frescura. É neurologia.

2. Em Que Momentos Ela Aparece?

Principalmente na transição entre estados

Descobri, depois de anos lidando com o transtorno, que a neblina costuma vir quando estou saindo de um episódio depressivo ou quando a hipomania está acabando. É nesses períodos de “meio-termo” que o cérebro parece mais confuso.

Também percebi que ela piora com falta de sono, estresse alto ou quando mudo a medicação. Às vezes, durmo mal por três noites seguidas e, no quarto dia, já estou travado. Não consigo ler um jornal inteiro. Esqueço compromissos marcados no celular. É frustrante.

Pode aparecer mesmo nos dias “calmos”

O pior é saber que, mesmo quando estou “estável”, essa neblina pode bater. Um estudo feito pela Universidade de Edimburgo mostrou que cerca de 60% das pessoas com transtorno bipolar têm déficits cognitivos persistentes, mesmo fora dos episódios graves [2]. Ou seja, o cérebro leva marcas do transtorno, assim como uma perna leva marca de uma fratura antiga.

3. Tipo 1 ou Tipo 2: Qual Tem Mais Neblina?

Mais comum no tipo 1, mas presente no tipo 2

Tenho bipolar tipo 2. Isso quer dizer que tenho episódios de hipomania (mais leve que mania) e depressão mais profunda. Muitos acham que, por não ter mania forte, sou “menos grave”. Mas a neblina mental aqui é real, constante, e afeta muito minha vida.

Pesquisas indicam que o tipo 1 tem maior impacto cognitivo porque os episódios de mania podem causar mais danos cerebrais, especialmente se forem repetidos [3]. Mas o tipo 2 também sofre. Um estudo publicado no British Journal of Psychiatry mostrou que pacientes com tipo 2 têm dificuldades parecidas em concentração e memória, principalmente por causa da depressão recorrente [4].

Então, mesmo sem hospitalização ou comportamentos extremos, ainda carrego esse peso invisível todos os dias.

4. Como Isso Me Atrapalha Hoje?

Moro com meu filho de 27 anos, que tem TDAH

Sou divorciado, moro com meu filho desde que ele era pequeno. Hoje ele tem 27, é adulto, mas tem TDAH. Ele é cheio de ideias, mas esquece tudo: contas, remédios, compromissos. Quando eu estou com a cabeça no lugar, consigo ajudar a organizar. Mas quando a neblina vem, a casa vira bagunça total.

Ele precisa de rotina, mas eu, naqueles dias, mal consigo lembrar de tomar meu próprio remédio. Aí ninguém cuida do outro. A geladeira fica vazia, as contas atrasam, e a culpa cresce.

Estou desempregado e isso pesa muito

Trabalhei a vida inteira como contador. Fui aposentado por invalidez há dois anos por causa do transtorno. Desde então, tento voltar ao mercado, mas é difícil. Já fiz entrevistas onde, no meio da conversa, travo. Esqueço meu histórico profissional. Fico vermelho, suando. Saio me sentindo um fracassado.

A neblina atrapalha até currículos. Levo horas para escrever duas linhas. Preciso revisar dez vezes. E quando envio, fico com medo de ter errado algo bobo. O desemprego alimenta a depressão, e a depressão alimenta a neblina. Um ciclo que parece não ter fim.

5. O Que Fazer Quando a Neblina Chega?

Primeiro passo: parar de se culpar

Demorei décadas para entender: não é minha culpa. Eu não sou preguiçoso, nem burro. Meu cérebro está doente, assim como o coração de alguém pode estar. Quando aceitei isso, comecei a ser mais gentil comigo. Em vez de gritar comigo mesmo por esquecer o nome do médico, digo: “Tá bom, hoje tá difícil. Vamos devagar.”

Essa autoaceitação foi libertadora.

O Diário de Emoções salvou minha vida

Há três anos, minha terapeuta me pediu para começar um Diário de Emoções. No começo, achei besteira. Mas logo vi o quanto ele me ajuda.

Todo dia, anoto:
- Como acordei
- Quantas horas dormi
- Se tomei os remédios
- Se tive sintomas (tristeza, irritação, neblina)
- O que fiz
- Como foi minha interação com meu filho

Com esse diário, consegui ver padrões. Vi que a neblina piora quando durmo menos de 6h. Vi que tomo remédio com atraso quando estou isolado. Mostrei isso ao meu psiquiatra, e ele ajustou meu tratamento.

Um estudo do Journal of Clinical Psychiatry mostrou que pessoas que fazem autoacompanhamento diário têm menos recaídas e melhor qualidade de vida [5]. Não é mágica. É controle.

Rotina simples, metas pequenas

Quando a neblina está forte, não tento correr. Crio uma rotina mínima: levantar, lavar o rosto, tomar café, tomar remédios. Se conseguir caminhar 10 minutos, já é vitória. Uso listas no celular, no espelho, na porta da geladeira.

E comunico com meu filho. Digo: “Filho, hoje tô com a cabeça lenta. Se eu esquecer alguma coisa, me avisa?” Ele entende. A gente se ajuda. Isso fortalece nossa relação.

Nunca ignore o apoio profissional

Quando a neblina dura mais de uma semana, aviso meu psiquiatra. Às vezes, é só um ajuste na dose. Outras vezes, preciso de terapia para trabalhar a autoestima baixa. Terapia nunca é perda de tempo.

Viver com bipolar depois dos 60 é diferente. O corpo envelhece, a mente cansa. Mas ainda dá pra ter paz. Com paciência, cuidado e ajuda, dá sim.

Referências Científicas

  1. Miskowiak, K. W., et al. (2020). Cognitive dysfunction in bipolar disorder: Implications for clinical practice. Journal of Affective Disorders. https://doi.org/10.1016/j.jad.2020.01.049
  2. Ferrier, I. N., et al. (2019). Neurocognitive impairment in bipolar disorder: A review. Bipolar Disorders. https://doi.org/10.1111/bdi.12719
  3. Bora, E., et al. (2017). Meta-analysis of cognitive deficits in euthymic bipolar disorder patients. American Journal of Psychiatry. https://doi.org/10.1176/appi.ajp.2016.16040483
  4. Clark, L., et al. (2019). Cognitive functioning in bipolar disorder type II: A meta-analysis. Psychological Medicine. https://doi.org/10.1017/S003329171800301X
  5. Sylvia, L. G., et al. (2021). Daily self-monitoring in bipolar disorder: A randomized trial. Bipolar Disorders. https://doi.org/10.1111/bdi.13012

Este texto foi escrito com sinceridade, baseado em vivência real e ciência atualizada. Se você sente isso, saiba: você não está sozinho. A neblina passa. O importante é não desistir de si mesmo.

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